UM SÉCULO DE SILÊNCIO

Façam um século de silêncio

para os  mortos pela ditadura,

pela  democracia,

 pela miséria,

pela ilustrada  burrice de cátedra,

pela industrialização caipira,

pelo progresso,

pelo Capital,

pela vontade de deus,

ou, ainda, para os mortos pelo

maldito desenvolvimento nacional.

Façam um século de silêncio 

para todas as vítimas

de todos os tantos  horrores

 do nosso passado podre,

 para as vítimas de hoje e sempre 

do terrorismo de Estado,

 alma da nossa medonha civilização tropical,

da nossa  tradição repúblicana,

 oligárquica , racista, mestiça,

e filho da puta,

que se perpétua,

apesar de tudo,

através dos séculos

e dos séculos 

até os cumes do absurdo humano.

AMANHÃ É DIA DE REBELIÃO

Amanhã formaremos um grande cordão

ligando todas as ruas da cidade

em um imenso brado de rebelião.

Desafiaremos deuses, ciências,

leis, poderes, privilégios 

e todas as autoridades,

transfigurados em multidão.

Empunharemos o fogo de Prometeu,

a chama da liberdade,

contra o Estado, o mercado e a religião.

Amanhã será o primeiro dia

da viva poesia de um mundo novo.

Formaremos todos um grande cordão.

UM PAÍS DE INSENSATOS

No Brasil os equilibrados e ponderados são sempre atropelados pelos alucinados. O descabido e caricato define os rumos da vida pública, da econômica e do social.

É sempre a ignorância dos insensatos e bitolados por palavras de ordem os grandes portadores de nossa fictícia e elitista vontade nacional personificada pelo arcaismo de uma república de burocratas e tacanhas elites.

DAS LUTAS DE SEMPRE

As lutas de hoje e

 de sempre,

são plurais

no modo de produzir

insurgências,

de buscar liberdade

e gritar o impossível.

Afinal, bandeiras passam,

mas a revolta, sempre presente,

se reinventa permanentemente

 contra qualquer dogmatismo,

contra toda metafísica de classe,

identidades e universalismos.

Os corpos jamais  se conformam

aos signos, as formas,

 circunstâncias , palavras de ordem

e donos da verdade.

Os corpos sempre são selvagens e intempestivos

e amanhã será 

qualquer outra coisa

que ainda não tem nome

entre nós.

QUASE DESPEDIDA

 Sou um estrangeiro em minha própria casa, Um estranho no mundo, 

vivendo as custas da falsa generosidade

 dos meus opressores.

Mas contra os cotidianos horrores

do nosso medíocre tempo presente,

Busco  reinventar a vida

na contra mão de todos

os apodrecidos e indecentes poderes

entre nós ainda vigentes.

Procuro,

no hiato entre o nada e o abismo

Que define o grito de toda existência,

qualquer novidade esquisita

que anuncie , em grande estilo,

minha feliz despedida

do deplorável e antigo espetáculo

de nossa miserável condição humana.

SUBVERSIVOS

Somos os que falam de parte alguma,

o coro dos sem voz

que cresce nas periferias.

Não temos nome,

valor ou rosto.

Ninguém nos conhece.

Não passamos de fantasmas,

vírus, maltrapilhos

e bárbaros.

Nada buscamos,

Nada esperamos.

Somos o tempo que passa,

uma morte anunciada.

Estamos em todas as partes

falando para todos e para ninguém.

Sabemos que tudo é perigoso

e pode fugir ao controle.

Há alertas de incêndio

se multiplicando pela cidade global.

Ousamos dizer que o mundo de hoje morreu.

OUSAR LUTAR

Estamos cansados de tudo.

Não suportamos mais 

viver precariamente,

Subjugados e explorados

em nome da razão e da civilização.

Não nos serve a lei, a ordem,

o progresso, a fé 

e seu sonho medíocre de humanidade.

Consumidos pela miséria e pela ansiedade

Pouco temos a perder ou temer.

Ousaremos lutar,

nos atreveremos a vencer.

A ETERNA CRIANÇA NEGRA

Meu passado é uma criança negra

cujo o sorriso chora

e os olhos brilham em revolta.

Não há inocência em seu duro semblante,

apenas um grito de guerra

contra os que obedecem

e se curvam a miséria da fé e da ordem.

É um passado sem esperança.

Inimigo de privilégios,

senhores e lucros. 

Um subvertor de futuros.

Mas, acima de tudo,

uma eterna criança.

CONTRA TODOS OS GOVERNOS

Ser presidente da República ou primeiro ministro não exige virtude, inteligência, diploma,  ou saúde mental. Qualquer um, desde que ungido pelo poder financeiro , facções oligarquicas e pela farsa do sufrágio é apto a ocupar o cargo máximo da nação.

Afinal, não é para o povo que os governos existem. Sua missão é manter a ordem , os ganhos e a exploração.

Avaliar os erros de um governo é sempre um falso desafio, pois a própria idéia de governo é um erro. Todo governo é terrível.

MUNDO MORTO

Enquanto os governos mentem

e os empresários roubam,

os bancos ganham dinheiro

e a vida apodrece.

Somos todos filhos

de um mundo morto.

 Nosso futuro é um túmulo,

mas a civilização sobrevive.

Viva o progresso, deus , o capitalismo, o tédio 

e todos os saberes e poderes institucionalizados!!

Enquanto os governos mentem

estamos todos morrendo.

PÓS ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA

Trabalhar e morrer,

Consumir e dever.

Eis todo retorno

que a sociedade espera

de nossa vã existência.

Somos todos tragicamente iguais 

na banalidade da vida comum.

Escravos em um mundo

sem escravidão

onde é quase impossível viver

e a liberdade só é defendida

como farsa,

pois na vida fomos reduzidos

a quase coisas,

quase nada,

e nem consideramos

tal calamidade

uma desgraça.

Talvez,

tenhamos desistido

de existir...

UMA CATÁSTROFE CHAMADA BRASIL

É impossível não ficar perplexo com a total falta de perspectivas do Brasil atual. 

Um país dominado pelo novo conservadorismo político e de costumes,  marcado pelo fisiologismo e pela  corrupção de suas elites políticas e econômicas, pela fragilidade de sua sociedade civil, pela brutalidade da desigualdade social, cada vez mais corroído pela  precáriarização das relações de trabalho e definido pela caoticidade de sua vida urbana pós industrial.

Neste território de catástrofes o sol nasce para poucos e o futuro de todos é cada vez mais incerto.

A URGÊNCIA DE NOSSAS LUTAS

Sabemos o preço das desigualdades, 

 o custo de nossa exclusão, 

o peso dos privilégios, 

 e as feridas causadas por tão nefasta exploração. 

 Precariamente sobrevivemos

 Improvisando futuros 

 administrando necessidades,

 sonhando contra a realidade

 Uma vida livre e autônoma 

onde seremos senhores 

de nosso próprio destino. 

 Sabemos que diante de tanta injustiça

 a paz só será possível a sombra de revoluções.

A vida, como meta dos desesperançados, exige o impossível como promessa

e a revolta como profissão.

CONTRA A MODERNIDADE E O CAPITAL

Não creio em valores universais,

 No humanismo, 

Na razão e suas luzes 

Na tripartição dos poderes, 

na dignidade do trabalho,

Na autoridade dos doutos , 

Na imprensa livre, 

Ou no bom senso do bom cidadão.

Não creio em nada que ainda nos faça  modernos, 

passivos e impotentes,

perante os poderes e a exploração.

Aposto nos loucos, 

mendigos, delinquentes, 

e em todos os inclassificáveis 

 que resistem a calamitosa  ordem vigente.