Um livro particularmente interessante sobre o Brazil, mas muito pouco citado, apesar de ser uma saborosa amostra do estilo “poema-piada” dos modernistas tupiniquins é o “História do Brasil” do poeta mineiro Murilo Mendes. Embora com o endosso do próprio autor ele ocupe um lugar menor em sua obra, é impossível não valoriza-lo, antes de tudo, pela desconstrução da historiografia nacional e ufanista sobre o Brazil através da poesia. Se na época em que foi publicado suas dimensões satíricas não poderiam ser devidamente avaliadas, hoje ele se tornou um verdadeiro clássico do fracasso nacional da fantasia brasileira de civilização tropical independentemente das convicções do seu autor e os limites impostos pela época em escreveu e publicou originalmente a obra (1932).
Vale a pena aqui reproduzir alguns versos desse poeta que foi acima de tudo um contemporâneo de si mesmo entre o indefinido do passado e futuro do seu próprio tempo:
XLIII
Hino do Deputado
Chora, meu filho, chora.
Ai, quem não chora não mama,
Quem não mama fica fraco,
Fica sem força pra vida,
A vida é luta renhida,
Não é sopa, é um buraco.
Se eu não tivesse chorado
Nunca teria mamado,
Não estava agora cantando,
Não teria um automóvel,
Estaria caceteado,
Assinando promissória,
Quem sabe vendendo imóvel
A prestação ou sem ela,
Ou esperando algum tigre
Que talvez desse amanhã,
Ou dando um tiro no ouvido,
Ou sem olho, sem ouvido,
Sem perna, braço, nariz.
Chora, meu filho, chora,
Ante-ontem, hoje.
Depois de amanhã, amanhã.
Não dorme, filho, não dormem,
Se você toca a dormir
Outro passa na sua frente,
Carrega com a mamadeira.
Abre o olho bem aberto,
Abre a boca bem aberta,
Chora até não poder mais.
XLV
Teorema das Compensações
O bicheiro é vereador,
Depende do presidente
Da Câmara Municipal.
O presidente é meio pobre,
Arrisca sempre na sorte,
Ai! Depende do bicheiro.
O bicheiro ganha sempre
Na eleição pra vereador.
E “seu” presidente acerta
Muitas vezes na centena.
LVII
Homo Brasiliensis
O homem
É o único animal que joga no bicho.
LIV
Amostra de ciência local
O homem vivia tran quilo,
Em paz com a vida e com ele.
Um belo dia, entretanto,
Resolve escrever um artigo
Sobre o Brasil, bem cuidado.
Mas Brasil se escreverá
Com “s” mesmo, ou com “z”?
Ele vai no dicionário:
Dá com “s” e dá com “z”.
Telefona a academia:
“Ninguém sabe não senhor,
Talvez com “s”, ou com “z”.
Tira dinheiro do bolso,
Numas notas vem escrito
Com “s” a palavra Brasil,
Noutras vem mas é com “z”,
O homem vai ao vizinho,
Sujeito modesto e sábio
“Não sei dizer não senhor,
Só sei que meu filho Pedro
Esteve um ano no Hospício
Porque queria saber
Justamente o que você
Quer saber e não consegue.”
O homem perde a paciência,
Tira uma faca do bolso,
Boa faca pernambucana.
-Não quero mais me amolar,
Aqui deve estar escrito
“Fabricado no Brasil.”
Conforme estiver aqui,
D’agora em diante, afinal,
Mesmo que seja com “s”
( prefiro que seja com “z”)
Escreverei a palavra;
A faca será juiz.-
O homem olha para a faca,
Meu Deus! Era made in Germany.
Segura o homem a faca,
A faca enterrou no corpo
E o filólogo morreu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário